Cardeal Caetano de Vio surge como um pequeno frade da Ordem dos Pregadores aos 16 anos. Em 1494, recebeu o título de Mestre em Teologia Sagrada e depois teve um famoso debate com Pico della Mirandola, em Ferrara. Foi enviado pelo Papa para dissuadir Martinho Lutero e, mesmo não conseguindo, ajudou na redação da excomunhão do ex-monge agostiniano em 1519. Além disso, ele foi um dos cardeais que se opuseram à anulação do casamento entre o Rei Henrique VIII e Catarina de Aragão.
Cardeal Caetano de Vio escreveu quase 150 obras, incluindo comentários a Aristóteles, Santo Tomás, Porfírio e muitos outros. Ademais, ajudou em traduções da Bíblia a partir do hebraico, cujo trabalho ele contou com ajuda de rabinos, além de escrever comentários a quase todos os livros da Sagrada Escritura, exceto o livro do Apocalipse, por achar demasiadamente árduo.
Mestre-geral da Ordem Dominicana, Caetano foi o mais ferrenho aristotélico-tomista de seu tempo, conhecido exatamente por ser um verdadeiro Mestre Auxiliar do Aquinate. Não por acaso o Papa Leão XIII ordenou que se adicionasse os comentários completos de Caetano de Vio à Suma Teológica junto à Edição Leonina das obras de Santo Tomás como instrução a todos padres e seminaristas.
Sobre ele, o Papa Clemente VII disse: “Cardeal Caetano é a lâmpada da Igreja Católica”.

Quem é Cardeal Caetano de Vio?

Giaccomo (ou Jacopo) de Vio nasceu de uma família nobre a 20 de fevereiro de 1469 em Gaeta, no reino de Nápoles. Em 1484 se fez frade no con- vento dominicano da mesma cidade com o nome de Irmão Tomás. (Caetano é o gentílico justamente de Gaeta, e diz-se em latim [Thomas de Vio] Cajetanus ou Gaetanus; em italiano [Tommaso de Vio] Caetano ou Gaetano; em espanhol [Tomás de Vio] Cayetano; em francês [Thomas de Vio] Caietan ou Cajétan; em inglês [Thomas] Cajetan). Começou seus estudos de Filosofia em Bolonha, mas, doente, teve de interrompê-los. Foi porém enviado em 1491 ao Studium generale de Pádua para concluí-los, e ali mesmo começou a carreira de professor. Em 21 de janeiro de 1493, foi nomeado mestre geral da cátedra conventual de Teologia, e em 19 de março do mesmo ano foi promovido a bacharel da universidade local. Prontamente, ou seja, no ano escolar de 1493- 94, foi nomeado para a cátedra de Metafísica da mesma universidade. Data de 1496 o nosso Comentário ao Do Ente e da Essência (Commentaria super tractatum “De ente et essentia” Thomae de Aquino). Foi nomeado no ano seguinte para uma cadeira de Teologia da Universidade de Pavie, na França, onde per- maneceu até o fim do ano de 1499. O De nominum analogia foi terminado em 1498, mas respondia ainda ao contexto da Universidade de Pádua e, como dito, serviu de complemento ao Comentário ao Do Ente e da Essência.

m Pádua, predominavam por um lado o aristotelismo averroísta, um pouco contra o qual escreveria Caetano em 1509 seus Commentaria in III li- bros Aristotelis “De anima”, e por outro lado o scotismo dos franciscanos e dos agostinianos. Mas a figura proeminente naquela universidade era o francisca- no Antonio Trombetta, que se tornara professor público de Metafísica cerca

de 1475 e que seria junto com Duns Scot o principal alvo do Comentador em nosso livro. Sua obra mais conhecida é expressamente antitomista: Opus in Metaphysicam Aristotelis Padue in thomistas discussum, a qual – possivelmente na edição de 1502 – ganhou um segundo título, onde se assinala o adversário de eleição: Questiones metaphysicales… edite, lecte et disputate ad concurren- tiam M. Fratris Neritonensis O.P. O outro dominicano de certo destaque era Valentino da Camerino (1438-1515), que seria o mestre e predecessor imedia- to de Caetano.3

A aguda rivalidade entre os tomistas e os scotistas em Pádua dava-se tanto em filosofia como em teologia. Na Faculdade de Teologia, ocupava então a cátedra de Duns Scot um franciscano, e só em 1490 é que se constituiria uma cadeira de tomismo, ocupada por um dominicano; três anos depois a ocuparia Caetano, cujos primeiros escritos, no entanto – os dois já citados –, são antes filosóficos e voltados justamente contra Scot e Trombetta.

Ordenado em 1491, Caetano seria professor na Universidade de Paris e na de Roma, e tornar-se-ia célebre por uma disputa pública com Pico della Mirandola em Ferrara, em 1494. Em 1501 foi nomeado procurador geral da ordem dos Pregadores, e em 1507 se tornou seu vigário-geral em razão da morte do então mestre geral, cargo para o qual seria eleito um ano depois e no qual permaneceria até 1518. Não mediu esforços para evitar o cisma provoca- do pelo Concílio de Pisa, convocado para deposição do Papa Júlio II, a quem o nosso Cardeal defendeu na obra Tractatus de comparatione auctoritatis Papæ et conciliorum ad invicem. Todas as suas obras escritas contra o conciliábu- lo foram proibidas na Universidade da Sorbone e queimadas por ordem do Rei Luís XII de França. No Quinto Concílio de Latrão (1512-1517), todavia, o nosso tomista defendeu firmemente uma reforma da Igreja, ao mesmo tempo que cumpriu papel decisivo, no mesmo concílio, para o reconhecimento do primado do papa sobre os concílios.

Sagrado bispo, foi depois proclamado cardeal por Leão X, no consistório de julho de 1517. Foi eleito arcebispo de Palermo em 1518, mas por causa da oposição do senado da cidade não chegou a ser empossado. Resignando-o, foi transferido para a diocese de Gaeta, onde permaneceria como arcebispo até a morte aos 65 anos, em 10 de agosto de 1534.

Naquele mesmo ano de 1518, fora enviado à Alemanha como legado pontifício para participar na Dieta de Frankfurt. Empenhou-se em 1519 pela elei- ção de Carlos V como imperador do Sacro Império Romano-Germânico contra Francisco I, rei de França, e ali mesmo fez de tudo para frear a “Reforma” de Martinho Lutero. Sem todavia ter conseguido convencer Lutero a sustar sua empresa herético-cismática, voltou em 1519 a Roma, onde ajudou o Papa Leão X a redigir a Bula Exsurge Domine, de excomunhão do heresiarca. Além disso, foi autor do magnífico opúsculo De Missae sacrificio et ritu, adversus Lutheranos (Do sacrifício e do rito da Missa, contra os luteranos), escrito pou- cos anos antes do Concílio de Trento e levado muitíssimo em conta por este. Neste opúsculo o nosso Cardeal demonstra contra os protestantes – e anteci- padamente contra a doutrina do “mistério pascal” – que o rito da Missa tem caráter essencialmente sacrifical (e não essencialmente memorial e convivial). Eis algumas das mais definitivas palavras do opúsculo:

• “Quando Nosso Senhor Jesus Cristo mandou [na Santa Ceia]: Fazei isto em memória de mim, mandou: Fazei isto a modo de imolação em memória de mim.” • Como a antiga Páscoa era figura da nova, “Fazei isto em memória de mim refere-se a que há que fazê-lo a modo de imolação, pois na antiga Pás-coa se fazia deste modo”.


• Na Primeira Epístola aos Coríntios (cap. 10), “São Paulo enumera entre

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as coisas imoladas o pão santo e o cálice do Sangue de Cristo; trata nossa mesa como altar; e diz que os que comem e bebem da mesa do Senhor comem e be- bem coisas imoladas. Com isto fica claro, por um lado, que os Apóstolos haviam entendido o mandato de Cristo: Fazei isto em memória de mim, como fazer a Eucaristia imolando-a; e, por outro lado, que na Igreja de Cristo, no tempo dos Apóstolos, a Eucaristia era não só um sacramento mas também um sacrifício”.4

Entre 1523 e 1524, Caetano organizou a resistência contra os turcos na Alemanha, na Polônia e na Hungria. Em 1527 foi preso durante o célebre sa- que de Roma pelos lansquenetes de Carlos V, entre os quais havia não poucos protestantes. Mas não tardaria muito a que o soltassem.

Os lansquenetes constituíam uma milícia de mercenários célebres por sua grande fero- cidade. Quanto a se o Imperador Carlos V ordenou, ele mesmo, o saque de Roma, uns o negam, enquanto outros o afirmam. Segundos estes, Carlos V os enviou para castigar o Papa Clemente VII pelo não cumprimento de uma palavra dada. Se contudo estiverem corretos os que o afirmam, este episódio terá sido uma mácula na biografia de um grande imperador. Com efeito, a mesma Cristandade que começara a ruir já no início do século XIV renasceu, de algum modo, especialmente com os Reis Católicos Fernando e Isabel, e continuou com os imperadores Carlos V e Felipe II, para fenecer depois deste e nunca mais voltar. Ademais, enquanto Carlos V pelejara com os papas para que convocassem um concílio reformador da Igreja – e em boa parte por isso se convocou o Concílio de Trento – e Felipe II enviava ao Papa São Pio V as tropas lideradas por seu meio-irmão, João de Áustria, que derrotariam.

Pronunciou Cardeal Caetano de Vio em 1534 a aprovação definitiva do matrimônio de Henri- que VIII com a então viúva Catarina de Aragão. Nesse mesmo ano, como dito, faleceria; e seu túmulo encontra-se no vestíbulo da Basílica de Santa Maria sobre Minerva.

Mas, como que para galardoar tão insigne vida, o Papa Leão XIII mandou juntar à Suma Teológica de Tomás de Aquino na Edição Leonina os Comentários de Caetano àquela. E destaque-se que, numa época em que a negação da doutrina magisterial dos dois gládios já tomava redutos tomistas – o que depois não faria senão agravar-se –, o nosso Cardeal comenta com claridade meridiana o ad 3 do artigo da questão 60 da II-II: “A alma preside ao corpo segundo uma tripla ordem de causalidade: segundo a causalida- de eficiente, porque é a causa dos movimentos corporais do animal; segundo a causa formal, porque é a forma do corpo; segundo a causa final, porque o corpo é para a alma. Dá-se o mesmo, proporcionalmente, no poder espiri- tual com respeito ao poder secular: o poder que dispõe as coisas espirituais tem função de forma com respeito ao que dispõe as coisas seculares; estas estão ordenadas como a seu fim às coisas espirituais e eternas; e, como o fim mais alto corresponde ao agente mais elevado, pertence ao poder espiritual o mover e dirigir o poder temporal, e tudo aquilo que está sob seu domínio, para o fim supremo espiritual”. Aprofunda assim a analogia de proporcionalidade própria de Santo Tomás que é um dos fundamentos da doutrina da realeza social de Cristo.
O Comentador escreveu mais de 115 obras, entre as quais se destacam, além das já referidas, substanciosos Comentários ao Antigo e ao Novo Tes- tamento (mais numerosos que os escritos por Tomás de Aquino); In Praedicabilia Porphyrii, Praedicamenta, Postpraedicamenta, et libros Posteriorum analyticorum Aristotelis castigatissima commentaria; e a Summula de peccatis.

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